segunda-feira, 28 de julho de 2025

Gandhi e a Marcha do Sal: A Força da Paz Contra a Injustiça


     Em 1930, Mahatma Gandhi protagonizou um dos capítulos mais marcantes da história das lutas por liberdade: a Marcha do Sal. Com uma caminhada de 386 km que partiu do ashram de Sabarmati até a vila costeira de Dandi, no oeste da Índia, Gandhi desafiou o monopólio britânico sobre a produção e comercialização do sal, elemento essencial na vida cotidiana dos indianos. Esse ato simbólico de desobediência civil não violenta mobilizou o país de forma inédita, provocando a atenção da imprensa mundial e acelerando os rumos da independência da Índia.

    O pano de fundo desse episódio remonta à realidade da Índia sob o domínio britânico, conhecido como Raj. Desde o século XIX, uma série de leis e impostos coloniais vinham explorando a população indiana, impondo restrições econômicas e culturais. Um dos mais emblemáticos era o Salt Tax, ou imposto do sal, instituído em 1882, que proibia os indianos de coletarem sal do próprio território e os obrigava a comprá-lo do governo britânico a preços inflacionados. O sal, presente em todas as mesas e essencial para a sobrevivência humana, tornou-se, assim, um símbolo concreto da opressão imperial. Gandhi, com sua habilidade política e sensibilidade popular, viu ali o ponto de partida ideal para uma campanha que unisse camponeses, operários e intelectuais sob uma causa comum.

    Mohandas Karamchand Gandhi, nascido em 1869 em Porbandar, Gujarat, formou-se em Direito em Londres e ganhou consciência política durante sua atuação como advogado na África do Sul, onde sofreu discriminação racial. Lá, desenvolveu os princípios da *satyagraha*, ou resistência pela verdade, baseados na não-violência e na força moral. Ao retornar à Índia em 1915, aplicou esses princípios à luta anticolonial, tornando-se uma das principais lideranças do Congresso Nacional Indiano. Defendia o *swadeshi* (autossuficiência econômica), a abolição da intocabilidade e a não-cooperação com os britânicos, o que o aproximou das massas e o transformou no rosto da resistência indiana.

    Ao decidir protestar contra o monopólio do sal, Gandhi não apenas denunciava uma política econômica injusta, mas também estabelecia um caminho acessível de resistência para todos os indianos. Em fevereiro de 1930, enviou uma carta ao vice-rei Lord Irwin, afirmando que iniciaria um protesto pacífico em 12 de março caso as leis sobre o sal não fossem revogadas. Como era esperado, não obteve resposta. E então, naquele dia, aos 61 anos, partiu com 78 seguidores do ashram de Sabarmati. Vestindo seu tradicional *dhoti* e empunhando um cajado, Gandhi caminhou por 24 dias, passando por aldeias e sendo recebido por multidões que se juntavam espontaneamente à marcha. Quando alcançaram a região de Navsari, já eram mais de mil.

    Em 6 de abril de 1930, ao chegar a Dandi, Gandhi ajoelhou-se na praia e recolheu um punhado de sal das margens do mar. Esse gesto, simples em aparência, rompeu oficialmente com as leis do Império Britânico. A partir dali, milhares de indianos passaram a extrair e vender sal ilegalmente, expandindo a campanha por todo o subcontinente. As autoridades responderam com repressão. Gandhi foi preso em 5 de maio, mas o movimento seguiu com força. Em Dharasana, no dia 21 de maio, uma nova marcha liderada por Sarojini Naidu — símbolo da força das mulheres na resistência — foi brutalmente reprimida pela polícia britânica. As cenas de manifestantes desarmados sendo espancados correram o mundo, graças à cobertura do jornalista norte-americano Webb Miller, provocando um escândalo internacional e abalando a legitimidade moral do Império.

    Ao todo, mais de 60 mil indianos foram presos durante os protestos relacionados à Marcha do Sal. Ainda assim, o impacto político foi profundo. O Congresso Nacional Indiano ganhou credibilidade internacional e se consolidou como principal representante do povo indiano. Gandhi foi libertado em janeiro de 1931 e convidado a participar das Conferências de Mesa Redonda em Londres, nas quais discutiu, em pé de igualdade, o futuro da Índia com autoridades britânicas. Embora os acordos não tenham trazido resultados imediatos, o reconhecimento formal de Gandhi como interlocutor foi um marco inédito na história colonial.

    As consequências da Marcha do Sal se fizeram sentir em diversos níveis. No plano econômico, o boicote ao sal britânico causou prejuízos significativos à Coroa e impulsionou a produção artesanal nas comunidades costeiras. No campo social, promoveu a união de diferentes grupos religiosos e sociais em torno da causa da independência. No campo simbólico, transformou um recurso cotidiano em arma política, demonstrando que a resistência pacífica podia ser mais poderosa que qualquer exército.

    O legado da Marcha do Sal ultrapassou as fronteiras da Índia. Líderes como Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela reconheceram a influência direta da filosofia gandhiana em suas lutas por direitos civis e liberdade. O conceito de desobediência civil não violenta, baseado na integridade moral e na coragem coletiva, tornou-se referência global para movimentos sociais e libertários ao longo do século XX.

    Hoje, a Marcha do Sal é lembrada como uma das ações mais brilhantes de mobilização não violenta já registradas. Em Dandi, um memorial homenageia o gesto de Gandhi, com uma estátua ajoelhada diante do mar, colhendo o sal da liberdade. O trajeto original tornou-se uma rota histórica percorrida por milhares de pessoas todos os anos. O aniversário de Gandhi, em 2 de outubro, é celebrado como o Dia Internacional da Não-Violência — lembrança viva de que a paz, quando conduzida com firmeza e convicção, pode ser uma arma revolucionária.

    Ao recordar a Marcha do Sal, recordamos também a força de uma ideia justa, o poder de uma ação coletiva e a coragem de enfrentar a injustiça sem levantar um só punho. Em tempos em que o mundo ainda busca caminhos para a justiça, o exemplo de Gandhi continua a ecoar: mudar a história é possível, mesmo com gestos simples — como caminhar, colher sal e dizer não à opressão.



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